quinta-feira, 31 de maio de 2012

« Poemas a várias vozes »



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segunda-feira, 14 de maio de 2012

Alberto Caeiro, "É talvez o último dia da minha vida"

É talvez o último dia da minha vida.


É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o Sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.

Alberto Caeiro





BRUNO ALVES

Fernando Pessoa "Poema em Linha reta"

Poema em linha reta






Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.



E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.





Pedro Silva
João Cesário

Carlos Drummond de Andrade - Infância [Sandro Francisco]


Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
Lia a história de Robinson Crusoé,
Comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
Chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
Café gostoso
Café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
Olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... Que fundo!

Lá longe meu pai campeava
No mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
Era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

AUTOR: Carlos Drummond de Andrade


Sandro Francisco , 1ºOI

Carlos Victor Murillo Claros, "Juventude"

JUVENTUDE


Juventude, você é a vida,
Você é a água pura e límpida
Que corres como o rio e nunca voltas atrás,
Você é o fruto doce da vida,
Que nos traz aquele verão
E logo de repente, vais-te com o inverno,
Você é o começo daquela vida nova,
E morres com o tempo,
Que é tempo e passado,
Passado que é esquecimento.

Juventude, você é do amanhã,
O outono desfolhado, aquelas folhas caídas
Que nunca mais voltam a nascer.
Juventude, você é o passado violento da vida,
Você é a esperança morta de voltar,
Você é a minha vida,
O melhor dos meus momentos,
Você é do amanhã, aquilo que se foi.

Juventude, vida passageira
Você se vai e um grande adeus,
Quisera chorar, não posso,
Tenho ganas de morrer,
Te vi em meus amigos,
Hoje velhos pelo tempo,
Te vi e ainda não acredito
Que nunca volverás.

Juventude, minha vida e minha esperança,
Cavaram já sua fossa,
Que é tempo e é velhice.

Adeus juventude, minha vida,
Adeus meu mundo, adeus
Te foste e nunca mais…




Alessandra Oliveira

Lalau lê os poemas "Infância 1" e "Infância 2"

Infância 1

Chutei bola na chuva,
Roubei laranja, banana,
Goiaba e uva,
Xinguei a professora,
Apanhei dos mais velhos,
Bati nos mais novos,
Quebrei uma duzia de ovos,
Rachei a cabeça,
Cortei o dedo,
Tremi de medo,
Escorreguei na lama,
Fiz xixi na cama,
Soltei pipa,
Esfolei o joelho,
Criei um coelho,
Andei no mato,
Perdi um sapato,
Pesquei na represa,
Ganhei um presente,
Tive dor de dente,
Caí do muro,
Chorei no escuro,
Faltei na escola,
Descobri um tesouro,
Sonhei com besouro,
Libertei passarinho,
Fui uma história em quadrinho.






PESQUISA DE TIAGO SILVA

Carlos Drummond de Andrade, "CONSOLO NA PRAIA"

CONSOLO NA PRAIA

Vamos, não chores...

A infância está perdida.

A mocidade está perdida.

Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.

O segundo amor passou.

O terceiro amor passou.

Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.

Não tentaste qualquer viagem.

Não possuis casa, navio, terra.

Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,

em voz mansa, te golpearam.

Nunca, nunca cicatrizam.

Mas, e o 'humour'?

A injustiça não se resolve.

À sombra do mundo errado

murmuraste um protesto tímido.

Mas virão outros.


 

Tudo somado, devias

precipitar-te, de vez, nas águas.

Estás nu na areia, no vento...

Dorme, meu filho.


 



Marcello